Eu não quero rosas

Dando uma pausa com as resenhas, hoje vim falar de papo sério: O dia internacional da mulher. Originalmente, eu iria postar esse texto no Facebook, mas achei que no blog ia ficar bem mais organizado. ‘Bora pro texto. Espero que vocês gostem!

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No dia 8 de março de 1857 operárias de uma fábrica de tecidos de Nova Iorque fizeram uma grande greve. Seus motivos de luta? Elas queriam reduzir as horas de trabalho (de dezesseis para dez), queriam igualdade de salários (elas recebiam um terço do salário do homem, e realizavam o mesmo tipo de trabalho), e melhores condições de trabalho. A greve foi duramente rechaçada. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Cento e trinta tecelãs morreram carbonizadas. E esse, meus amigos, foi um dos motivos que gerou esse dia.

Em todo 8 de março eu recebo parabéns pelo “meu dia”. Eu recebo rosas. Recebo textos celebrando as mulheres por serem mães e guerreiras – tudo isso sem deixar de ser delicada e sensível, sem descer do salto alto. Eu recebo chocolates e promoções de panelas.

Mas, eu não quero rosas.

Por que hoje, mais de um século depois, o sexismo ainda está presente na nossa sociedade. Hoje, as mulheres ainda não ganham os mesmos salários que um homem quando desempenham a mesma função. Segundo o IBGE, o rendimento médio das mulheres em 2008 correspondeu a 71,3% do rendimento médio dos homens, mesmo apresentando um melhor nível de escolaridade. E elas recebem, em média, 40% menos que seus pares masculinos, mesmo com diploma de curso superior. 

Estamos em 2015 e a violência doméstica ainda existe, é real e tem números altos. No ano de 2013 mais de 14,8 mil inquéritos foram recebidos pela Justiça do Distrito Federal em relação à Lei Maria da Penha. No Distrito Federal, apenas. No Brasil, esses números são ainda piores. Alguns dados do DataSenado para vocês (os dados são referentes à 2013) :

A pesquisa estima que mais de 13 milhões e 500 mil mulheres já sofreram algum tipo de agressão (19% da população feminina com 16 anos ou mais). Destas, 31% ainda convivem com o agressor. E pior: das que convivem com o agressor, 14% ainda sofrem algum tipo de violência. Este resultado, expandido para a população brasileira, implica em dizer que 700 mil brasileiras continuam sendo alvo de agressões.

E isso afeta nas nossas taxas de homicídio contra a mulher, olhem só:

A violência doméstica e familiar exerce grande impacto nas taxas de homicídio contra mulheres. Como resultado, num ranking de 84 países, ordenados segundo as taxas de homicídios femininos, o Brasil é o 7.º onde mais se matam mulheres. Está em pior posição que seus vizinhos na América do Sul (à exceção da Colômbia), que os países europeus (à exceção da Rússia), que todos os países africanos e todos os árabes.

Chocante, não? O pior de tudo é que muitas mulheres não procuram a polícia para realizar a denúncia. Principal motivo? Medo do agressor.

Ainda sobre violência, em 2012 foram registrados no país 50617 casos de estupro. Nos dados do IPEA (dados de 2011) 89% das vítimas de estupro eram mulheres. Alarmante é saber que 50,7% eram crianças de até 13 anos.

Os números poderiam ser ainda maiores se as vítimas de estupro denunciassem. Pois é, meus amigos, 90% das mulheres estupradas não denunciam o agressor e nem procuram ajuda médica. Adivinha os motivos? Medo de morte e da repetição da violência, sensação de vergonha e humilhação e sentimento de culpa.

Ah, e não vamos esquecer do machismo cotidiano. Aquele que nós, mulheres, enfrentamos todos os dias.

É 2015, galera, e muitas mulheres ainda tem medo de andar na rua desacompanhada, muitas são vítimas de pornografia de vingança, muitas recebem cantadas – que são bem desagradáveis e nos deixam mais assustadas do que “lisonjeadas” – de completos estranhos, muitas (aliás, todas nós) são vítimas de slut-shaming em algum ponto da vida. Para quem não sabe, slut-shaming é isso:

É definido como o ato de induzir uma mulher se sentir culpada ou inferior devido a prática de certos comportamentos sexuais que desviam de expectativas ditas tradicionais de seu gênero. Estes comportamentos incluem, dependendo da cultura, ter um grande número de parceiros sexuais, ter relações sexuais fora do casamento, ter relações sexuais casuais, agir ou se vestir de uma maneira que é considerado excessivamente sexual. Isso geralmente é feito através de xingamentos, bem como de outras formas mais discretas ou disfarçadas. Entre os diversos insultos, pode-se encontrar os termos “vadia”, “puta”, “biscate”, “oferecida”, etc.

O slut-shaming atua de forma a policiar e restringir a sexualidade feminina e sua expressão, definindo os limites do comportamento sexual aceitável. Ele também é utilizado como forma de culpar a vítima por ter sido estuprada, alegando que o abuso foi causado (em parte ou no todo), devido a mulher vestir roupas curtas ou agir de forma atrevida e imoral, incitando o estuprador ao ato.

E aí, se identificou?

Estamos em 2015 e uma garota de 16 anos foi atacada no ônibus por causa de seu uniforme escolar. Por quê o uniforme escolar de uma garota é considerado fetiche.

No nosso país, temos um índice de 5% a 10% de mulheres ocupando posições de CEOs. 9% da Câmera dos Deputados são mulheres e, em uma notícia recente vinculada no Daily Mail, o Brasil é um dos países mais perigosos para mulheres turistas no mundo.

Todos esses dados não são nem a ponta do iceberg de todas as violências e preconceitos de gênero que uma mulher passa. E eles se referem apenas ao Brasil – há outros lugares no mundo em que uma mulher nem pode estudar. Mas eles representam alguns dos motivos para eu não querer rosas nesse oito de março.

Muito foi feito, sim, mas há ainda muitas coisas para conquistar. Muitos estereótipos para serem quebrados, muitas áreas para desbravar.

No dia 8 de março de 1857 operárias de uma fábrica de tecidos de Nova Iorque morreram lutando por igualdade de gênero. Por respeito. Mais de um século depois, as coisas não estão muito melhores.

Não reduza essa data a uma simples entrega de rosas.

E a todas as mulheres: continuem na luta. Continuem fortes. Continuem unidas.

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